sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Apocalipse VII

Ela estica a mão, e ajuda-me a levantar. Arranco o machado dos cornos do morto.
Eu- Obrigado.
Daniela- De nada. Até soube bem.
Voltamos para a fogueira, e sentamo-nos. Pouco tempo depois, chega o André.
Eu- Caralho, tanto tempo para mijar?
André- Soube-me pela vida, até mijei em cima de um gajo morto, todo podre.
Daniela- És nojento...
O André olha para ela, pasmado.
André- Já falas?
Eu- Eu se fosse a ti ficava calado. Ela fode-te a boca.
André- Ela?
Ele solta um riso sarcástico, até que vê a lâmina do machado coberta de sangue.
André- O que raio estiveram a fazer com o machado?
Eu e ela olhamos um para o outro, e sorrimos.
Eu- Enquanto tu foste sacudir a gaita, nós apanhamos com um morto.
André- E quem o matou?
Daniela- Fui eu.
O André arregala os olhos, e fica com o ar de quem está todo borrado de medo.
Eu- Tás bem?
André- Tou, tou. Só estou com um bocado de sono. Vou dormir.
Ele deita-se, de costas viradas para nós. Eu chego-me mais perto da Daniela.
Eu- Como te sentes?
Ela hesita um bocado em responder.
Daniela- Nem eu sei como me sinto...
Eu- O que aconteceu? Como é que eles te apanharam?
Daniela- Quando os mortos começaram a aparecer, eu e o meu irmão tivemos que fugir. Os nossos pais tinham sido mordidos, e eles próprios morreram, e, sem esperarmos, voltaram a erguer-se. Desde aí, eu e o meu irmão andámos de lugar em lugar, a tentar sobreviver. Ontem encontrámos um poço, e ao tentarmos beber a água, fomos apanhados pelos outros cabrões.
Eu- Algumas pessoas fazem tudo para sobreviver, nem que seja foder a vida dos outros.
Uma lágrima começa a escorrer pela cara dela, e, sem eu esperar, ela abraça-se a mim a chorar. Eu não sei o que fazer ou dizer, apenas fico sem reacção. Ela larga-me, limpa as lágrimas e sorri.
Eu- Vai dormir, precisas de descansar.
Ela deita-se, e, num ápice, adormece. Eu apago a fogueira, e deixo-os a dormir. Saio do celeiro, e no meio da escuridão, ando às voltas. O céu não revela muitas estrelas. Deparo-me com algo inesperado: uma árvore sem folhas, alta, com pelo menos cinco ou seis corpos enforcados, e entre eles encontra-se uma criança, que não tem mais do que três anos pela aparência. No tronco da árvore estão cravadas letras, que escrevem: «Aqui jaz uma família de cabrões. Ass: César».
Eu- Filho da puta...
Ouço um barulho atrás de mim, e sinto uma arma encostada à minha cabeça. Viro-me lentamente, e vejo que quem me está a apontar a arma é um dos cabrões que estavam com o paneleiro do César, quando encontrámos a Daniela.
Gajo- Parece que hoje chego a matar alguém.
Eu- Vai pó caralho.
Ele sorri, com um olhar psicótico, e quando penso que é desta que morro, o sorriso dele desaparece, e uma lâmina trespassa o pecoço dele. Atrás dele, vejo olhos azuis a brilhar na escuridão.
Daniela- Morre filho da puta.
O corpo dele cai, enquanto jorra sangue pelo pescoço.
Daniela- Estás bem?
Eu- Por pouco mas estou. Já é a segunda vez que fodes os cornos a alguém para me ajudar.
Daniela- Não tens de quê.
Voltamos para o celeiro, onde deixamos o André sozinho. Espero que quando chegarmos lá, ele não esteja a bater outra punheta. Chegamos ao celeiro, e o azeiteiro ainda dorme. Deitamo-nos, e tentamos adormecer. A noite está a ser longa.


BREVEMENTE
APOCALIPSE VIII

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Apocalipse VI

A viagem continua. O André passa o tempo a assobiar, a rapariga está encostada à janela, a olhar para a estrada, cheia de destroços. Eu tento pensar numa maneira de falar com ela, mas não consigo pensar, graças aos assobios do André.
Eu- Pára de assobiar...
André- Não me apetece.
Eu- Pára de assobiar...
André- Não, e não podes fazer nada. Não passas de um rapazinho.
Eu tiro as soqueiras do bolso do casaco, e começo a olhar para ele seriamente.
Eu- Não páras de assobiar?
André- Não.
Ele começa a sorrir sarcasticamente, mas, quando olha para mim, o sorriso desaparece.
André- O que vais fazer com as soqueiras?
Eu- Eu? Nada... só te vou meter a dentadura para dentro à soqueirada se não parares de assobiar.
André- Já me calei.
Nisto, consigo notar um leve sorriso na cara da rapariga, e, ao ver isto, começo a sentir-me bem. Talvez seja por ter posto um sorriso na cara dela, ou então, foi por o André se ter calado, mas sinto-me bem. O André pára o carro.
Eu- Porque paraste o carro?
André- Olha...
À nossa frente está um enorme grupo de mortos, a vir na nossa direcção.
André- Podemos sair do carro e tentar matá-los um a um, ou então podemos atropelá-los a todos.
Olhamos um para o outro, e sorrimos. Viro-me para trás.
Eu- Rapariga, eu se fosse a ti segurava-me a alguma coisa.
O André mete o pé no acelerador à força toda, e , num curto espaço de tempo, o carro envolve-se num banho de sangue, tripas, membros, e ficamos com uma cabeça presa numa das rodas. Mostrando um enorme sorriso, o André começa a cantar aos berros.
André- EU NÃO SEI MAS OUVI DIZER, QUE ESTES FILHOS DA PUTA MERECEM SOFRER!!
Ele solta um riso, ainda aos berros, e pára o carro. Eu e ele saimos, olhamos para trás, e vemos um enorme rasto vermelho.
André- Sinto-me tão bem agora.
Eu- És mesmo atrofiado...
André- Já sei onde podemos acampar por agora.
Eu- Onde? E, eu juro que se fôr outra casa de putas, pego numa caçadeira e rebento-te os tomates!!
Ele aponta para o sítio, e à nossa frente, apenas a alguns metros, encontra-se um celeiro.
Eu- Vai ter que servir.
Tiramos as coisas do carro, e eu abro a porta de trás. A rapariga está imóvel e calada.
Eu- Anda. Encontramos um sítio onde podemos acampar.
Ela não me responde, e continua imóvel. Eu pouso as coisas no chão.
Eu- André, vai indo. Nós já vamos lá ter.
Ele vai para o celeiro, e eu entro no carro, ainda a pensar no que dizer à rapariga.
Eu- Tipo, eu entendo porque estás assim. Viste uma pessoa importante para ti ser morta à tua frente, e, vives num mundo onde tens de lutar para viver.
Ela olha pra mim.
Eu- Eu estou na mesma situação que tu. Não tenho razões para continuar a viver, e ando aqui a tentar sobreviver. Se mudares de ideias, vem para o celeiro, ou então podes ficar aqui. A decisão é tua.
Saio do carro, pego nas coisas e vou para o celeiro.
Rapariga- Espera!
Olho para trás, e ela vem ter comigo.
Rapariga- Eu levo uma das mochilas.
Ela tira-me uma das mochilas e vem comigo para o celeiro.
Eu- Já me podes dizer o teu nome?
Ela não me responde, apenas mostra um leve sorriso. Chegamos ao celeiro, e o André não está lá. Apenas estão lá as nossas coisas e uma fogueira.
Eu- Ó atrofiado, onde é que andas?
André- Tou aqui ao lado.
Eu- É bom que não estejas a bater uma punheta outra vez!
André- Tou a dar uma mija!
Eu- Ai de ti se acontecer o mesmo que aconteceu da última vez que foste mijar!
Rapariga- Última vez?
Eu- É uma longa história.
Começo a lembrar-me do André, a correr com as calças nos joelhos e a segurar na gaita. A vontade de me rir é tante que mal me consigo controlar.
Rapariga- Estás a sentir-te bem?
Eu- Estou, apenas me lembrei de uma coisa engraçada.
Sentamo-nos ao pé da fogueira. Chega o André, e senta-se conosco. As horas passam, e nós continuamos a olhar para a fogueira. Já é de noite.
André- Vou dar outra mija.
Eu- Outra?! Tás todo fodido da bexiga!
André- Vai pó caralho!
Ele levanta-se e vai para fora do celeiro.
Rapariga- Ele é sempre assim?
Eu- Infelizmente, é.
Rimo-nos levemente, até que ouvimos um barulho atrás de uma porta.
Eu- André? És tu?
Ninguém responde.
Eu- Ó filho da puta, se tu nos tiveres a tentar assustar vou rebentar-te a gaita com a caçadeira!
Continuo sem ouvir uma resposta. Pego na caçadeira e abro a porta.
Eu- Fica aqui.
A rapariga acena com a cabeça. Eu entro na sala, pronto para rebentar alguma coisa. A sala era usada como arrecadação, e estava escura. Ouço um barulho atrás de mim. Viro-me já com a caçadeira pronta, mas tudo que encontro é um gato.
Eu- Eu odeio gatos...
O caralho do animal começa a bufar, com um ar ameaçador, e sai pela janela. Ouço outro barulho atrás de mim, e ao virar-me, não tenho tempo para disparar. Um morto sai das sombras e agarra-me, enquanto me tenta morder. Tento empurrá-lo com a caçadeira, mas o cabrão tem força. Caio para trás, e o filho da puta em cima de mim, ainda a tentar morder-me. Consigo sentir o bafo dele na minha cara. e tento controlar-me para não vomitar. Começo a pensar que vai ser agora que me fodo, até que um machado trespassa a cabeça dele. Ele rapidamente pára de se mexer. Eu empurro o cadáver para o lado, e vejo-a. Os seus olhos azuis brilham com a pouca luz que há, e o seu cabelo loiro revela um tom reluzente.
Rapariga- Chamo-me Daniela.


BREVEMENTE
APOCALIPSE VII

sábado, 5 de novembro de 2011

Apocalipse V

Acordo, mas não totalmente descansado. Durante a noite acordei várias vezes, incomodado pelo cheiro da puta morta. Olho para o meu lado, à procura do outro atrofiado. Sem estar à espera, uma mão tapa-me a boca.
André- Pega numa arma e não faças barulho. Temos companhia lá fora.
Pego na caçadeira, e, com o André, vou para trás de uma mesa. Ouvimos berros, e estes ficam cada vez mais próximos. Deitam a porta abaixo. Olhamos, e vemos três homens a entrar, com um rapaz e uma rapariga amarrados. Num dos três homens, conseguimos ler no colete dele: «César».
César- Vocês pensavam que se safavam filhos da puta? Pensavam?
Tanto o rapaz como a rapariga não responderam, tremendo de medo.
César- Tentam roubar a nossa água, e depois fogem.
Rapariga- Não sabíamos que era vossa.
César- Sabes que mais? Eu não te vou matar...
A rapariga solta um suspiro de alívio.
César- ...mas não sei o que te vai acontecer quando os mortos ouvirem isto.
Rapaz- Isto o quê?
César- Isto!
Ele enfia uma caçadeira na boca do rapaz e rebenta-lhe os cornos. A rapariga não reagiu, horrorizada com o que presenciou.
César- Boa sorte puta!
Os gajos saem, e vão-se embora numa carrinha. Nós saimos de trás da mesa, e vamos ter com a rapariga.
André- Tás bem rapariga?
Ela não responde. Eu corto as cordas que a prendem, e, de repente, ela agarra-se ao corpo do rapaz aos berros.
Eu- Foda-se! André cala-a!
O André tapa-lhe a boca, e segura-a. Eu meto-me à frente dela, e seguro-lhe a cara.
Eu- Olha, provavelmente aquele rapaz devia ser importante para ti, mas a não ser que queiras ser comida viva, cala-te um bocado.
Ela cala-se, e pára de dar pontapés ao André, que já não está a sentir os quilhões.
Eu- Agora temos que ir embora, rápido! Aquele tiro deve ter chamado a atenção a muitos cabrões!
Pegamos nas coisas, e saimos dali. O André vai a correr para um carro.
Eu- O que estás a fazer atrofiado?!
Ele parte a janela, e, surpreendentemente, o carro não tinha o alarme ligado. Ele entra no carro, e faz ligação directa.
André- Entrem!
Apressados, eu e a rapariga entramos no carro.
Eu- Meu grande cabrão! Podias ter feito isso há mais dias não?
André- Já nem me lembrava que sabia fazer isto.
Eu- Parece que os mortos não são os únicos que nos fodem a vida.
André- Aquele filho da puta mandava pinta de prisioneiro.
Eu- Eu aqui a pensar na nossa vida, e tu só te sabes lembrar da pinta do outro cabrão.
No banco de trás, a rapariga continua calada, com algumas lágrimas na cara. Eu viro-me para trás.
Eu- Tens nome?
A rapariga olha para mim, com os seus olhos azuis, mas não me responde.
André- Fala caralho!
Eu- Cala-te filho da puta! Ela ainda está traumatizada!
A viagem continua, calma e silenciosa. Eu continuo a pensar numa coisa: agora não temos apenas que temer os mortos...


BREVEMENTE
APOCALIPSE VI